Friday, July 01, 2005

De um dia só

Hoje eu fiquei aqui. Um dia só.
Só, na manhã dourada, na sala de largas janelas. Perto das violetas que nunca dão flor.
Ouvindo os ruídos que eu não ouço nos outros dias. Porque existem coisas que a gente só ouve quando está sozinho.
Esperando a porta abrir e deixar entrar a alegria derramada de minha mãe que a tantos comove, encanta e a outros irrita. Penso: como pode alguém sentir-se tão alegre e disposto logo de manhã cedo?
Esse sempre foi um dos mistérios que me acompanharam vida afora.
Em qualquer lugar do mundo que eu vá, eu sempre hei de esperar pelo momento em que ela vai abrir a porta e sorrir seu bom dia inigualável.
Mas hoje não. Hoje eu acordei descalço de afeto, enrugado nas dobras do sono agitado: tanta coisa, tantos signos e lendas e palavras difíceis de registrar e entender.
Penso neles por aí, os dois eternos namorados zangados e brigões, mas um não vive sem o outro.
Uma doce libriana e um tosco sagitariano, que dupla!
Aos Sagitarianos que eu amo de paixão eu explico: toscos no sentido de dizerem coisas da maneira que os centauros estão acostumados, não há nada de mal nisso, viu Ernie, viu afilhado?
Minha indolência me convence a ficar em casa e imaginar delícias feitas com cuidado e carinho, lentamente na cozinha, e eu penso: vou fazer um arroz de puta pobre.
Isso decidido, ganho a rua e compro bons punhados de cheiro verde e linguiça calabresa e outras coisas mais que eu imagine.
Volto e faço minhas alquimias apimentadas. Corto, pico, descasco, canto (o que raramente faço), fumo bons cigarros e, de repente, ouço a voz no telefone: vamos almoçar aqui no centro, estamos num curso!
A caçarola chiando não entende coisas assim.
Pronto, almoço e durmo.
Lá se foi quase um mês de dia, eu eu resolvo voltar à rua e ir atrás de um bom e fumegante cappuccino.
Desço as escadas e me deparo com uma cena incomum: um pintor lixa vigorosamente as paredes do corredor do meu prédio, revelando a face original da parede, a que viu minha infância impossível por entre os veios de argamassa.
Essas paredes não são pintadas desde a década de 80, sabia? - digo eu ao pintor.
Ao que ele replica: sério? Há quantos anos tu moras aqui?
E, de repente eu me sinto velho demais para os meus poucos trinta e sete anos - constato: eu moro aqui há vinte e cinco anos.
Nossa, foi ontem.
Ainda ontem eu corria loiro por estes corredores. Sim, porque eu era loiro.
Tantos anos pesaram subitamente e eu me sentei nos degraus da escada e tentei me lembrar de como eu era.
E me lembrei.
Feliz.

5 Comments:

Blogger Marie Jeanne Sermoud said...

Oia,

eu sou ruim de comentar, mas ler eu leio, todo santo dia eu passo e espio.. rs...

Beijo!

9:18 PM  
Anonymous Anonymous said...

This comment has been removed by a blog administrator.

7:12 AM  
Anonymous Anonymous said...

Nossa vida se aculuma em nossa pele assim como a argamassa na parede: a cada demão de lágrimas e de sorrisos.

Beijos, querido.

7:13 AM  
Anonymous Anonymous said...

Oi...
Faz anos q não passeio por esse corredor...
Beijinho, da tosca sagitariana,
Claudia

9:51 AM  
Blogger Ana Paula Sampaio said...

Que bom que vamos nos ver em breve!!! =)
beijos,
Ana

8:14 AM  

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